ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS VÍTIMAS, EM DIREITO PENAL: REVITIMIZAÇÃO À LUZ DA LEI 14.321/2022

Quando se estuda o Direito Penal, invariavelmente nos vem à mente as condutas de autores de delitos, suas causas e possíveis consequências e as eventuais punições dos autores. 

Via de regra, para haver um delito, deve haver alguém que tenha um bem juridicamente protegido pelo Direito Penal ofendido por outrem, como o patrimônio, a integridade corporal, a vida, a honra etc. 

Pois bem, a essas pessoas ou entes jurídicos (como por exemplo o meio ambiente), chamamos de VÍTIMA, ou sujeito passivo da relação penal. Toda vez que se ouve falar que algum delito tenha sido cometido, invariavelmente temos, ao menos, uma vítima. 

Pois bem. Ao estudarmos esse fenômeno social denominado “CRIME”, abre-se um leque de abordagens. Uma delas é a Criminologia, ciência multidisciplinar, que se ocupa do estudo do CRIME, do CRIMINOSO, da VÍTIMA e do CONTROLE SOCIAL.  

O presente artigo, tratará, em específico, sobre a vítima, em específico, nessa relação em que figura como aquela que teve um bem juridicamente protegido pelo Direito Penal.  

Essa especial atenção que se dá às vítimas de delitos, cuida o estudo da Vitimologia. Segundo Benjamin Mendelsohn, “é a ciência que se ocupa da vítima e da vitimização, cujo objeto é a existência de menos vítimas na sociedade, quando esta tiver real interesse nisso”. Ainda, conforme lição de Paulo Sumariva, “a vitimologia é a disciplina que estuda a vítima enquanto sujeito passivo do crime, sua participação no evento delitivo e os fatores de vulnerabilidade e vitimização, no fenômeno da criminalidade”.  

Muitas vezes, na apuração de um delito, esquece-se de dar a devida atenção justamente àquele que teve violado seu bem juridicamente protegido pelo Direito Penal. 

Dentro desse estudo, podemos classificar as vítimas ou a vitimização em Primária, Secundária e Terciária. 

A Vitimização Primária é aquela decorrente do cometimento do crime, violador dos direitos da vítima (danos materiais, físicos, psicológicos etc.). 

A Vitimização Secundária ou Sobrevitimização é o sofrimento adicional que o Sistema de Justiça Criminal, com suas deficiências, provoca nas vítimas. 

Por fim, a Vitimização Terciária é aquela decorrente da falta de amparo dos órgãos públicos (além das instâncias de controle) e da ausência de receptividade social em relação à vítima (estigmatização). 

Há, também, outros graus de vitimização que são a chamada Vitimização Indireta, que é o sofrimento de pessoas intimamente ligadas à vítima de um crime; e a Vitimização Heterogênea ou Heterovitimização, que é a autorrecriminação da vítima pela ocorrência do crime através da busca por motivos que, possivelmente, a tornaram responsável pela infração penal. 

Pois bem. Feitas essas considerações básicas, trataremos da Lei 14.321/2022, que alterou a Lei 13.869 de 05 de setembro de 2019, para tipificar o chamado Crime de Violência Institucional, a saber: 

“Violência Institucional 

Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade: 

I – a situação de violência; ou 

II – outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização: 

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. 

§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços). 

§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro.” 

Referida alteração legislativa tipifica como crime a conduta consistente em “submeter” tais pessoas a “procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos”, tratando como “revitimização”. 

Criminaliza-se, em breve síntese, aquilo que se convencionou chamar de “vitimização secundária”, que provém das respostas inadequadas formais e informais obtidas pela vítima, as quais acabam produzindo novos danos para além daquele já sofrido com a prática criminosa.  

O novo crime é fruto do Projeto de Lei 5.091/20, cuja justificação invocou episódio de repercussão envolvendo audiência na qual o advogado de acusado de delito sexual tratou a ofendida com extrema agressividade e não foi contido pela autoridade judicial nem pelo agente da acusação, caso que já impulsionara a edição da Lei 14.245/21, oficialmente intitulada Lei Mariana Ferrer, em alusão à vítima do evento, conforme bem analisa Moraes.1 

Importante salientar que a conduta deve evitar que a vítima reviva (relembre, recorde) a situação de violência sofrida (inciso I) ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento e/ou estigmatização (inciso II), sentimentos próprios das dores, traumas ou marcas negativas, de ordem física ou moral, experimentados por ocasião da prática delituosa. 

Prossegue Moraes que “De igual sorte, também não caracteriza o delito a divergência interpretativa da lei ou na avaliação fática e probatória, sobretudo em relação ao juízo e à decisão acerca da estrita necessidade de promover os procedimentos pela autoridade responsável, diante da expressa vedação ao ilícito de hermenêutica (Lei 13.869/19, artigo 1º, § 2º)”. 

E finaliza, “Como se observa, para além da mera criação de ilícitos penais que reprimam práticas abusivas, os compromissos constitucionais e convencionais impõem trabalho em rede integrada por diversos setores do Poder Público, destinado ao atendimento a vítimas e testemunhas pelos órgãos de Segurança Pública e Justiça Criminal, aliado ao permanente investimento na capacitação e na valorização dos recursos humanos, em prol da qualidade dos serviços oferecidos à população”.  

Ressaltamos, nesse breve artigo que, tão importante quanto a punição de autores de delitos, é o amparo às vítimas de delitos. Esse amparo deve, sobretudo, estar presente nos órgãos oficiais, através dos agentes públicos, desde as primeiras notícias das práticas delitivas, até a final sentença, de tal modo que o sofrimento provocado pelas ações delituosas seja o menor possível e resulte em mínimo impacto físico e psicológico às vítimas. 

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