Bancos digitais: solução ou problema?

bancos digitais

A era digital está instalada e isso dispensa maiores esclarecimentos. Comércio eletrônico, marketplaces, contratos digitais, blockchain, tudo está “online” e nessa “onda” passaram a proliferar as chamadas “fintechs”, quer sejam as instituições financeiras bancárias e assemelhadas que prestam serviços neste setor, o mais rentável da economia nacional.

Os próprios bancos tradicionais já tem, há algum tempo, suas plataformas de serviços “online”, via aplicativos e internet banking, facilitando, e muito, a vida dos correntistas e investidores, além de gerar uma gestão enxuta, coesa, eficiente e muito mais barata que o modelo tradicional; mas o fenômeno atual está nos chamados “bancos digitais”, que não têm agências físicas, não recebem documentos “físicos” (em papel) e prometem uma relação simples, fácil e, acima de tudo, segura.

Diante deste cenário de transformação do setor bancário, as autoridades monetárias representadas pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional, passaram a rever suas resoluções e instruções que fixam as regras de funcionamento do setor, com ênfase na segurança das informações e na prevenção aos delitos de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e financiamento de atividades terroristas ou criminosas.

Neste contexto a preocupação das autoridades está diretamente relacionada com o estabelecimento de um ambiente seguro para a operação, onde os consumidores que optarem por esta modalidade de prestação de serviços possam ter a tranquilidade de transmitir informações privadas, as instituições cientes das regras a cumprir e, especialmente, do dever de prestar estes mesmos serviços com extrema transparência e seriedade, coibindo crimes e atuando de forma responsável perante a sociedade.

As promessas destes bancos são todas nesta linha, com milionárias campanhas publicitárias focadas na criação de uma imagem de credibilidade, confiança, segurança e solidez.

Esta identidade é transmitida ao consumidor de forma enfática, o que vai gerando, com o tempo, a assimilação do conceito, possibilitando a mudança de pensamento que entra no processo de tomada de decisão, tornando a migração da atividade bancária tradicional para a digital um movimento sem volta.

Por estas razões estas empresas, a partir da veiculação desta publicidade, se responsabilizam, de forma objetiva (independente de apuração de culpa), conforme previsão do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), pela prestação de serviços adequados, sob pena de serem condenadas ao ressarcimento dos danos causados aos consumidores pelas falhas e ineficiências de seus sistemas de segurança.

Pois bem. É certo que este movimento não vai parar e que todos teremos de nos adequar a esta realidade, porém uma questão deve ser respondida: estão estas empresas capacitadas, tecnicamente, a efetivamente cumprir as promessas veiculadas nas campanhas publicitárias?

São, de fato, verdadeiras as informações escritas nos “memorandos”, “relatórios”, “circulares” que fazem produzir e entregam às autoridades monetárias para conseguir a liberação de funcionamento e auferir lucros astronômicos? Estas perguntas necessitam de respostas muito convincentes, comprovadas por auditorias específicas, tudo para minimizar ao máximo as chances de fraudes e crimes que lesem os direitos dos consumidores.

Bancos Digitais e Cibercrimes

Na prática o que se tem visto nos balcões do Poder Judiciário é um número crescente de processos envolvendo estes bancos digitais, a maioria envolvendo vazamento de dados, uso indevido de dados, violações das resoluções do CMN e do BC, e, o que é mais grave, fomentando e reinventando atividades criminosas dedicadas ao que é chamado de “cibercrime”, ou o crime cometido através do uso da internet.

Não são poucos os registros de atividade criminosa que se utiliza de várias técnicas para aplicar golpes “online, como a clonagem de sites verdadeiros, com oferecimento de produtos com preços atrativos, outros de leilões de veículos recuperados de financeiras, dentre outras modalidades, as quais somente são possíveis justamente pela existência destes bancos digitais, que retiram o maior temor dos criminosos: mostrar a própria face.

A facilidade com que estes bancos têm aceitado a abertura de contas correntes é assustadora.

Basta enviar uma série de documentos que, praticamente de forma imediata, a conta está aberta, o aplicativo instalado e as transações financeiras podem ser iniciadas. E tudo isto está sendo feito sem observância das normas do setor, especialmente as Resoluções 4.753/2019 e 2.025/1993, do Conselho Monetário Nacional, que disciplinam a documentação, as provas e a forma exigidas para garantir a segurança dos consumidores e coibir as práticas criminosas.

O que de fato se tem visto é que estes bancos não estão completamente preparados para prestar os serviços a que se propõem de forma segura; quando criminosos conseguem abrir contas bancárias utilizando documentos de terceiros ou forjados faz surgir a certeza de que os sistemas de análise de risco e de compliance destas empresas não atendem aos requisitos mínimos de uma auditoria séria e dentro da legislação de regência.

Por estas mesmas fragilidades e por propiciar um ambiente prolífico para a lavagem de dinheiro proveniente de crimes, possibilitar a evasão de divisas e o financiamento de atividades criminosas é que devem estes bancos responder pelos danos advindos aos consumidores que forem lesados por estes mesmos agentes criminais.

Devem os bancos ser responsabilizados por estes danos de forma objetiva, mesmo que a atividade ilícita tenha sido levada a efeito por terceiros, pois estes fatos somente ocorrem por falha e má prestação dos serviços bancários.

Esta responsabilidade já é reconhecida através de súmula (decisão que norteia outras da mesma natureza) do Superior Tribunal de Justiça (479) e a tendência que se espera é que os Juízes e Tribunais locais passem a julgar as ações de forma favorável aos consumidores que forem lesados nesta modalidade de golpe, que rediga-se, somente possível pela existência destes bancos digitais. Sem eles, o crime seria impossível. E o que se tem visto são decisões favoráveis aos consumidores, o que deve se consolidar rapidamente.

Uma teoria que se fundamenta muito fortemente nesta área é a chamada “cegueira deliberada”, que provém da omissão destes bancos no dever de segurança, facilitando que o dinheiro proveniente do crime seja disponibilizado e movimentado, gerando dano patrimonial do consumidor-vítima, que tem seu dinheiro empregado por criminosos estelionatários. Aliado a esta teoria está a da “conditio sine qua non”, quer seja a condição sem a qual o crime não poderia ocorrer, como dissemos acima.

Dentro deste prisma não resta dúvidas que os serviços destes bancos precisam melhorar e muito para ser no mínimo aceitáveis. É imprescindível que as Autoridades Monetárias Nacionais exerçam uma fiscalização e controle rígido, apertando o cerco sobre estas empresas, obrigando-as a cumprir à risca a normatização, além de, proativamente, desenvolverem setores em seus departamentos jurídicos que tenham a orientação de reconhecer estes erros, pagar as indenizações devidas sem a via sacra do Judiciário, condutas éticas mínimas do que a sociedade espera das empresas modernas, especialmente as que lidam com dinheiro, capitais e que manipulam a economia nacional.

Todo e qualquer movimento negativo no setor bancário reflete diretamente na sociedade de forma extremamente onerosa, razão pela qual muitas vezes se faz “vista grossa” para não “tumultuar” o mercado; porém, esta estabilidade – necessária, registre-se – não pode ser móvel de “salvo conduto” para descumprimento das normas do setor, impor danos aos consumidores e facilitar a prática de crimes.

Diante do aumento expressivo das demandas, da sucessão de golpes praticados sob o manto do sigilo fiscal e da clara fragilidade dos sistemas de segurança e compliance destas instituições, é necessário se debruçar sobre o assunto e impor a obrigação de melhoria imediata nos processos, revendo as políticas de expansão, enrijecendo o processo de conferência e validação interna de documentos, enfim, prestando serviços em padrões aceitáveis e com os menores índices de falha possível.

Por fim, respondendo a pergunta do título, são os bancos digitais uma solução ou um problema?

Evidentemente são soluções muito interessantes, contudo, da maneira com que estão sendo geridas e direcionadas, tem causado problemas graves a consumidores lesados diariamente, mas, o que é muito pior, tem sido, como já dito e agora repetido, o caminho mais fácil para a prática de crimes, o que jamais pode ser tolerado.

Não podem estas empresas auferir milhões em lucros e, ainda, propiciarem um ambiente seguro para ilícitos penais. É incongruente. É antiético. É imoral. É ilegal. É um crime “em si próprio”.

Se VOCÊ foi vítima de um golpe desta natureza procure um advogado e exija seus direitos. Além de recuperar o que lhe foi levado sua ação será mais uma nas estatísticas que poderão mudar o setor; quanto maior a pressão da sociedade, quanto maiores as reclamações, mais chances se tem de receber serviços de qualidade e que atendam às normas de segurança, privacidade e proteção de dados pessoais.

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