Calamidade pública: Como fazer acordos individuais para preservação de empregos

Vivemos dias de exceção. A Lei Federal nº. 13.979/2020 reconheceu o estado de emergência nacional; o Decreto Legislativo nº. 06/2020 reconheceu o estado de calamidade pública da nação; foi reconhecida a “transmissão comunitária” do Corona Vírus e Estados e Municípios decretaram “quarentena”, “isolamento social”, fechamento de fronteiras e “toque de recolher”. Um verdadeiro caos se instalou no Brasil e no Mundo.

Em meio a tudo isso foi editada a Medida Provisória nº. 927, de 22/03/2020, que tratou das relações de trabalho e emprego; seu escopo é claro: a manutenção dos empregos no país; com a flexibilização de algumas regras surgiram os questionamentos:

  • a MP é constitucional?
  • Seu texto se sobrepõe à CLT?
  • E como ficam as regras de negociação individual e coletiva?
  • E a atuação dos Sindicatos?

Enfim, muitas perguntas que precisam de respostas, o que buscaremos, de forma muito clara e objetiva, entregar nesse pequeno artigo.

Quanto à constitucionalidade da MP já houve uma decisão liminar do STF, proferida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, mantendo sua validade; lembrando que MPs entram em vigor imediatamente após a publicação no Diário Oficial e passam a valer.

Quais os argumentos centrais para negar a liminar? Preponderantemente: as normas constitucionais que preveem o interesse público sobre o particular e o artigo 8º, da CLT, que claramente demonstra que “nenhum interesse de classe ou de particular prevaleça sobre o interesse público”. Além da clara preocupação em manter as empresas vivas.

Então, qual o interesse preponderante nesse momento?
Evidente que o coletivo, o público, da nação; primeiramente, em não deixar que a transmissão da doença se alastre a ponto de colapsar o sistema de saúde e, na outra ponta, tentar manter a atividade econômica e preservar os empregos.

Difícil equação, a qual se buscou, ainda que sem a profundidade e extensão que entendemos adequada, solucionar com a publicação da MP 927.

Pelo disposto no artigo 2º da citada MP há um caminho: “empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição”.

E destacamos: o mesmo dispositivo é claro: “Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º”, ou seja: a norma, tal como escrita, valerá enquanto permanecer o estado de calamidade.

É regra transitória, emergencial e de aplicação ampla e irrestrita.

O escopo e garantir empregos. O país sofre assolado pelo desemprego exponencial há anos; mais demissões só agravariam a situação da população; entre o direito do empresário de gerir sua empresa e o direito do empregado em receber seus salários sempre haverá uma pergunta: quem deve ser privilegiado? Na nossa opinião não se trata de privilégio, mas, sim, de sobrevivência.

Quando estamos em estado de perigo, medidas atípicas são justificadas.

Desta forma, basta analisar se artigos da CLT foram feridos pela MP e se direitos constitucionais dos empregados estão sendo lesados; entendemos que NÃO.

Primeiramente porque, conforme já declinado, estamos em calamidade e ações eram necessárias; a nova lei (MP) passa a ser o regramento vigente e está no mundo jurídico, gerando efeitos. Então como ficam as negociações coletivas e individuais?

A regra geral da CLT é que, em caso de redução de jornada, de salários e de suspensão de contratos demandaria uma negociação coletiva, com participação dos Sindicatos representativos das categorias; em caso de Dissídios, com a chancela do Tribunal competente; ocorre que Sindicatos estão fechados, empresas paralisadas sem faturamento e empregados sem ter trabalho.

É possível esperar tudo isso passar? Evidentemente que não!

Nesta ordem das coisas, unindo a declaração de calamidade pública com a análise conjuntural dos atos-fatos que se mostram reais, emergentes e inafastáveis, é que se pode afirmar que o regramento do artigo 2º, da MP 927, não fere dispositivos da CLT; ao revés, entram como “norma integrativa” em alguns pontos e “substitutiva” em outros, sempre frisando enquanto mantido o estado de calamidade pública.

Os direitos constitucionais que devem ser respeitados estão no artigo 7º, da CF/88 e destacamos 02 (dois) para análise: a) inciso IV: salário mínimo: em qualquer negociação individual ou coletiva é necessário garantir o pagamento de um salário mínimo; fora deste entendimento, há flagrante inconstitucionalidade; b) inciso VI: irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Este é o ponto nevrálgico.

Se as negociações coletivas estão praticamente inviabilizadas, como garantir esse direito constitucional? Entendemos que este direito deve estar contextualizado com a situação do momento, quer seja, a emergência, a calamidade.

Pergunta-se: o que deve se sobrepor: a manutenção do emprego ou a irredutibilidade do salário?
A resposta é híbrida:

1) claramente a manutenção do emprego, porém,
2) a nosso ver não há redução de salário, na medida em que haverá redução de jornada, neste caso.

Portanto, havendo proporcionalidade, não há ferimento à constituição.

Mas o acordo individual pode substituir o coletivo? A princípio a resposta seria negativa, porém, com base no artigo 2º, da MP, e do contexto de calamidade, sim, pode. E deve! Os empresários devem fazer um levantamento minucioso de seus recursos humanos, verificando a situação de cada setor, cada grupo de empregados; posteriormente verificar individualmente cada situação para, com base neste “mapa”, propor as ações mais adequadas.

Nesta linha sugerimos o seguinte roteiro onde os questionamentos e as respostas devem vir na seguinte ordem: 

A. Minha empresa precisa parar completamente, o que faço?

– Há setores que continuarão funcionando? Quais? Há opção de teletrabalho? Sim? Quais? A jornada é a mesma? A partir daí traçar o plano de ação.

– Se a resposta for NÃO, seguimos no próximo tópico.

A.1) Não há setores passíveis de teletrabalho, o que faço?

– Sua empresa teve férias coletivas em dezembro ou outro período? Sim? Não?

– Se teve férias coletivas para todos os setores, é possível novas férias coletivas em antecipação. Analisar viabilidade.

– Não teve férias coletivas: analisar caso a caso as férias de cada empregado e usar esta regra.

B. Ao final das férias – caso tenha sido esta opção – o que fazer? 

B.1) Permanece a paralização? Sim. Partir para os acordos individuais de trabalho com redução de jornada e salário, garantido o salário mínimo.

B.2) É inviável a negociação proposta acima? Partir para acordo individual com suspensão do contrato. Quais as bases? A negociar.

Este é apenas um roteiro proposto, exemplificativo. Outros similares podem ser avaliados. O importante é a “leitura” do negócio, o entendimento da situação; é momento de buscar a compliance interna; verificar processos; avaliar os fluxos de pagamento e recebimento; analisar contratos vigentes; verificar as possibilidades do mercado, tudo isso de forma ordenada, com plano de ação e assessoria qualificada.

É tática de guerra!

Preserve sua equipe, sua tropa, afinal, uma empresa é feita de pessoas e, sem elas, não há futuro.

Em suma: em nossa opinião a MP 927 e seus acordos individuais são juridicamente válidos e o artigo 2º deve ser o norte a seguir; as negociações devem ser conduzidas com orientação jurídica adequada e reduzidos a termo (por escrito); o valor de cada empregado deve ser posto como uma variável da equação; por detrás de cada empregado há uma família, há pessoas dependentes. Portanto, ajustes são necessários para manter a atividade, mas a dignidade da pessoa humana deve ser um fator. 

Certamente sairemos dessa situação, porém os esforços são grandes; todos devemos colaborar.

Enquanto outra norma não seja publicada, a melhor opção continua sendo usar as regras da MP 927. Faça o que deve ser feito, contudo, busque se certificar de que está fazendo certo, o que só é possível com assessoria jurídica e contábil durante todo o processo.

E não se esqueça: patrão ou empregado, todos somos pessoas e, como tal, devemos ter a dignidade respeitada.

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